Entrevista – Marcelo Coelho, idealizador da Confederação Brasileira de Mountain Bike – CBMTB
Santos – 03/04/2009
Bike Action – Nos conte o que é a CBMTB?
CBMTB, Confederação Brasileira de Mountain Bike. A CBMTB é uma entidade de administração do desporto que a partir do dia 14 de abril passará a administrar a especialidade “mountain bike” no país. Esse é exatamente o conceito da CBMTB. A prática é um pouco diferente. Hoje temos uma entidade que administra o ciclismo no Brasil em todas as suas especialidades. Essa entidade que é a Confederação Brasileira de Ciclismo tem como objetivo desenvolver, fomentar e dar suporte para todas as especialidades do ciclismo, de acordo com seu estatuto.
Atuando há algum tempo na administração esportiva, especificamente no ciclismo, vejo que a atual gestão da modalidade caminha de maneira diferente do restante do mundo, pois naturalmente um único núcleo de pessoas (como a CBC é formada hoje) não pode conhecer a fundo todas as especialidades e suas particularidades.
A CBMTB fará este trabalho, pois terá na sua formação, administradores e especialistas em MTB.
BA – Como é que vai funcionar a entidade?
A CBMTB já foi fundada no dia 02 de março de 2009. Esta fundação aconteceu apenas para que a entidade pudesse buscar o seu registro nacional de pessoa jurídica. Dia 14 de abril nos reuniremos novamente com o intuito de traçar os rumos da CBMTB. Não criei uma entidade para mim. Acredito que este primeiro passo já poderia ter sido dado há muito tempo e foi exatamente isso que fiz agora, dei apenas o primeiro passo. Nesta próxima assembléia faremos a composição da diretoria, organizaremos os rankings, calendários e traçaremos um plano de ação para poder administrar a modalidade como ela merece. O MTB hoje é muito mais do que podemos imaginar e costumamos ver. Não é segredo para ninguém que o MTB está abandonado no Brasil. Neste último mês de março tivemos uma radiografia profunda no Campeonato Panamericano da modalidade, realizado no Chile, que trouxe uma única medalha de ouro na categoria para mais 50 anos de idade e que além do atleta pagar suas despesas do próprio bolso teve que comprar a camisa oficial da seleção. O primeiro atleta brasileiro na categoria elite, a nossa promessa olímpica conseguiu o singelo quinto lugar. Lendo algumas notícias sobre a viagem dos nossos “Heróis” ao Chile, conhecendo modelo de gestão da entidade responsável (CBC) pelo possível bem estar dos nossos representantes, resumo a uma única frase “Quem muito quer nada tem”. A CBMTB quer apenas separar o MTB da CBC para poder dar um melhor tratamento e visibilidade. Um tratamento específico, direcionado.
Não tem muito segredo, cabeças pensando só em MTB e mais nada!
BA – Onde será a sede?
A CBMTB está sediada na cidade de Santos – SP. A cidade foi escolhida apenas por uma facilidade de acesso e manuseio da documentação de abertura, mas será alterada sempre que necessário ou conveniente para o MTB. A CBMTB não tem predileção por esta ou aquela cidade ou estado. Vamos desenvolver o MTB onde houver mais necessidade. A sede será no local de maior conveniência para o seu administrador/gestão. Lembrando que a assembléia sempre decidirá o melhor lugar, prevendo a logística de trabalho para um melhor resultado.
BA – Com quais modalidades a entidade planeja atuar? Por que?
A CBMTB irá trabalhar com o Cross Country, Cross Country Maratona, Downhill, 4 Cross e o Free Ride. O Cross Country hoje é uma modalidade olímpica e por isso acaba sendo mais fácil dirigir recursos e consequentemente obter bons resultados com mais facilidade. Antecipando um pouco o nosso papo, essa história de, por ser Olímpico é mais fácil, cai por terra a partir do momento que a Lei de Incentivo contempla todas as modalidades esportivas. A Lei Piva, da qual as confederações hoje sobrevivem, na minha opinião, é uma muleta para maus administradores. É muito fácil dizer que o ciclismo de estrada, pista e o cross coutry são cobertos por um incentivo federal e que nada pode se fazer pelas especialidades que não estão sob esta guarda. Se você ler o estatuto da CBC verá que a entidade tem por finalidade dirigir, difundir, defender, controlar e fiscalizar, de forma única e exclusiva as especialidades. A prática mais uma vez não se instala nesse artigo. Por isso vamos atuar no que é do nosso conhecimento, deixar as outras especialidades para conhecedores das mesmas. Temos um exemplo vivo no Brasil além do MTB. O BMX esteve nas mãos de quem tinha total conhecimento por muito tempo. A partir do anuncio da inclusão do BMX na Olimpíada de Beijin em 2008, a CBC desfez o acordo e optou por administrar mais uma especialidade. O resultado era óbvio. O Brasil apontava fenômenos do BMX para o mundo e hoje amarga uma situação caótica em profunda decadência. O Cross Country Maratona hoje é uma tendência que além de fomentar o uso da bicicleta, movimenta todo o seu mercado, por ter uma maior facilidade de acesso. Os eventos são praticamente grandes passeios ciclísticos dando condição de participação a qualquer pessoa. O Downhill hoje parece ser o primo pobre do Cross Country, pois acaba sempre levando os restos. O que a maioria não sabe é que na verdade o Downhill é a especialidade mais cara do MTB e que apesar de um apoio quase inexistente por parte da administração atual do ciclismo, é a especialidade que mais trás vitórias para o Brasil, inclusive somando o ciclismo de estrada e pista, mas por não ser olímpico cai na categoria que nunca tem recurso destinado a ela. A novidade é a especialidade “free ride” que vem para somar no MTB. Hoje já se realiza competições de “free ride”. Meio antagônico, porém apesar de ser mais um estilo do que especialidade, o Free Ride tem mostrado ao mundo imagens maravilhosas do nosso aro 26” e fará parte da responsabilidade da CBMTB.
BA – A CBMTB tem um estatuto próprio e independente com regulamento e normas?
A CBMTB tem estatuto próprio e uma proposta dos seus regulamentos e normas que serão apresentados no dia 14 de abril na assembléia. Algumas atitudes foram tomadas apenas para o registro, mas cabe aos representantes fazer as alterações que acharem melhor para administrar o MTB. Como você sabe, acompanhei a CBC de perto de 1998 a 2001 e trabalhei diretamente em 2002 e 2003 e nessa época criamos o regulamento interno e o cadastramento nacional, que não existia. Vou propor o mesmo formato que implantei lá em 2002. Claro que nesses anos, analisando de fora eu já faria algumas modificações, mas a CBC hoje se resume em administrar competições realizadas por terceiros sem conhecer profundamente os problemas, não havendo assim a possibilidade de consertar. É uma questão de foco e não de competência.
BA – Como será as eleições e seu conselho?
Essa pergunta é muito importante e tenho certeza que a resposta é tudo que a CBC hoje gostaria de apresentar. O estatuto da CBMTB tem um dispositivo que dá à federação estadual filiada poderes relativos ao seu trabalho. Ou seja,não quer dizer que o estado que tem menos atletas ou menos condição financeira possua menos poder, mas o estado que não apresentar crescimento durante o período de gestão terá um peso diferenciado na eleição da entidade. Imagina hoje dizer ao estado do Mato Grosso que a sua Federação não tem direito a voto por não apresentar o mínimo de trabalho ou dizer que no estado de Pernambuco o ciclismo não cresce há mais de 5 anos? Criamos dispositivos no estatuto da entidade que irão controlar esse poder. Um controle feito sem que ninguém possa manipular. Números são números, precisamos de trabalho e resultados.
BA – Como que fica a CBC nisso tudo? A CBMTB será um órgão ligado a CBC?
A CBMTB é uma entidade independente não terá nenhum vínculo com a CBC, a não ser o de “trabalharmos” para o mesmo fim, o crescimento do MTB, “conforme estatuto”. O objetivo da CBMTB é termos uma entidade específica e com um único foco, o MTB. A CBMTB semeou a divisão das especialidades no Brasil. O mundo inteiro caminha para isso. A Argentina, um país muito menor que o nosso, já descobriu que é impossível administrar 5 especialidades e criou a UCRA (União Ciclistica da República Argentina). Uma entidade que reúne 3 entidades nacionais independentes, administradoras do MTB, BMX e Ciclismo de Estrada e Pista. Se existe algum país no mundo que necessita urgentemente de uma divisão, é o nosso. Um país continental, com 26 estados mais distrito federal, 27 federações filiadas sendo a maioria delas inexistentes no trabalho efetivo.
BA – Qual é a posição da UCI, órgão máximo do esporte, em relação a essa nova divisão, pois no passado não muito distante o órgão exigiu que apenas uma entidade representasse todos os esportes (BMX, MTB e ciclismo).
Centralizar as informações foi uma forma de dar mais poder aos representantes e facilitar o contato com o mundo naquele momento.
Creio que a UCI tenha hoje uma visão diferente do que tinha antes dos Jogos Olímpicos de Beijin 2008, até porque o vice-presidente da UCI hoje, o cubano José Manuel Pelaez é presidente da COPACI, Confederação Panamericana de Ciclismo e conhece de perto os nossos problemas. Claro que a eleição dele na COPACI também depende das suas filiadas, que no caso é a CBC no Brasil, mas não pode fechar os olhos para os resultados medíocres apresentados pelo nosso país tanto no BMX quanto no MTB. O Brasil foi celeiro de grandes atletas de BMX e sequer conseguiu uma vaga para as Olimpíadas. Estamos em abril e o calendário do BMX nacional ainda não existe. Em 2002 o Brasil faturou 4 medalhas de ouro no Panamericano da modalidade no Chile e fomos campeões no geral. E outra coisa, a CBMTB está filiada a uma entidade mundial que hoje tem nos seus registros as maiores equipes do mundo. Esta entidade está filiada à UCI e no meu entendimento só com um único objetivo, organizar para poder administrar separadamente.
BA – Referente a verba que o COB repassa para o esporte olímpico, quem receberá esse repasse do mountain bike e BMX?
Pra falar a verdade não pensamos nisso ainda. Quando conversamos sobre recursos só pensamos em verbas destinadas a apresentação de projetos tanto da Lei de Incentivo nº 11.438/06 como de recursos destinados a projetos esportivos disponíveis no ministério do esporte ou nos governos estaduais. A busca de patrocínios na iniciativa privada também é uma das opções em discussão. A verba destinada ao esporte olímpico que vem do COB através da Lei Piva não está esquecida, mas fica para uma segunda conversa.
BA – A curto, médio e a longo prazo, os atletas vão sentir essa criação da entidade ou não?
A nossa intenção é que esta mudança seja percebida em curto prazo. O sentimento de amparo será imediato. A CBMTB disponibilizará um canal de informações diariamente. Um site totalmente interativo e funcional, programado para receber todo tipo de informação do Brasil e do mundo. Alguns sites já renomados de certas especialidades estarão operando como apoio e levando a informação ao usuário direto. Na proposta que iremos apresentar aos filiados está previsto um sistema de filiação através do site oficial, aberto a qualquer interessado. O ciclista se conecta no site da CBMTB e faz a sua filiação na hora. Ele saberá no momento da sua filiação se tem algo pendente ou não e assim conclui ou não a sua inscrição. Confirmando a inscrição, receberá a sua carteirinha nacional em casa e o recurso captado será destinado à federação do estado referente à sua inscrição. Além dos recursos da internet, estamos preparando ações de divulgação nos eventos de MTB durante o ano.
BA – Haverá dois campeonatos brasileiros de mountain bikes? Um valido pela CBC e outro pela CBMTB? No caso de dois atletas distintos ganharem os campeonatos, quem será o verdadeiro e legitimo campeão diante a UCI?
Respondendo à primeira pergunta, imagino que sim. A CBMTB irá realizar o Campeonato Brasileiro de MTB e a primeira edição acontece ainda este ano com rodada tripla (XC, DH e 4X), tudo acontecendo em único lugar no mesmo final de semana.
No caso de termos dois atletas campeões brasileiros de MTB, acredito que será como ter 4 ou 5 cinturões de boxes no mundo. Será uma questão de prioridade individual.
Em relação à UCI, temos uma reunião marcada na Suíça, ainda nesse primeiro semestre, para apresentarmos a proposta da separação e criação de uma união como foi feito na Argentina. Enquanto isso não acontecer, o legítimo campeão diante da UCI será o campeão da prova realizada pela CBC, mas como disse, será uma questão de prioridades.
Aproveitando para esclarecer uma dúvida freqüente que tenho percebido nos atletas é que a CBMTB não está em nenhum momento ferindo as leis do estatuto da UCI e que nenhum atleta sofrerá qualquer tipo de punição oficial por parte da UCI e suas filiadas.
BA – Recentemente entrevistamos o presidente reeleito da CBC, José Luiz Vasconcellos, e ele afirmou que a CBC esta firmando uma parceria com uma estatal. A CMTB também fará o mesmo ou seguirá por outros caminhos?
De coração, faço votos que dê certo. Tenho pena do destino disso. Quem pode presenciar a ultima eleição da CBC viu um bando de mortos de fome engajados em uma promessa de campanha baseada nesse recurso. Li em um site esse mês que o próprio Vasconcellos declarou que o recurso será pouco perto do tamanho do país. Tenho certeza que o valor declarado não irá dar para nada desse jeito. A CBMTB seguirá por todos os caminhos possíveis.
BA – Atualmente você é organizador de provas como o Ultra Maratona Caminho da Fé e o Downhill Urbano de Santos, eventos que eram validos pelo ranking da UCI. Como fazer essas provas voltarem para o ranking mundial ?
O Downhill Urbano de Santos volta a ser válido para o ranking mundial em 2010. Se você notar este ano nenhuma prova de downhill brasileira está no ranking mundial da UCI. Também perdemos São Vedelino – RS e Itabirito – MG. A Ultra Maratona de Mountain Bike do Caminho da Fé continua no Ranking da UCI este ano. A prova acontece no dia 12 de julho saindo de Paraisópolis – MG e chegando em Campos do Jordão – SP. O cadastramento desses eventos pode ser feito através da CBC ou diretamente na UCI, através da empresa realizadora, basta querer.
BA – No passado você já fez parte da CBC, como dirigente do MTB. Essa sua experiência aliada com a organização de provas que te motivou a criar a nova entidade?
Acho que foi um pouco de tudo que conversamos agora, mas posso dizer que a gota d’água foi assistir a eleição da CBC em janeiro deste ano e olha que já tinha assistido a algumas, mas como esta espero nunca mais presenciar. Cheguei à conclusão que se ninguém colocasse a mão na massa iríamos ficar esperando algo que jamais viria. Não quero ficar aqui culpando esse ou outro. O sistema atual é que não dá chances. Uma eleição marcada por procurações, advogados e “supostas” acusações de compra de votos. O MTB não combina com isso. O mais interessado no assunto, que é o ciclista, está querendo mais é andar de bicicleta e ter um contato com a natureza, não pode conviver com esse sistema que mantém os administradores reféns no seu próprio cárcere. Há 5 anos atrás sugeri a criação de um tipo de sindicato para os ciclistas. Seria o mediador entre a CBC e as federações inexistentes que manipulam o sistema através do voto, mas alguns entenderam e não se movimentaram outros ficaram quietos com medo de se expor e perder algo que a meu ver, nem existe. Acho que acordaram. Os maiores nomes do MTB Brasileiro estão juntos nesse que eu acredito ser o maior passo dado pelo MTB desde a sua existência no país.